Produção de recursos educativos para
a educação mediática na escola: perceções
e necessidades dos professores

Dra. Armanda P. M. Matos

https://orcid.org/0000-0003-0802-5870

armanda@fpce.uc.pt

Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Interdisciplinares, Portugal

Dra. Isabel Festas

http://orcid.org/0000-0002-1720-1488

ifestas@fpce.uc.pt

Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Interdisciplinares, Portugal

Dra. Elzbieta Bobrowicz-Campos

https://orcid.org/0000-0001-5889-5642

Elzbieta.Campos@iscte-iul.pt

Instituto Universitário de Lisboa, Centro de Investigação e Intervenção Social, Portugal

Recibido: 1 de noviembre del 2024 / Aceptado: 6 de marzo del 2025

doi: https://doi.org/10.26439/contratexto2025.n44.7919

RESUMO. A relevância da educação mediática tem sido crescentemente reconhecida no contexto internacional e também em Portugal. Às crianças e aos jovens é atribuída particular atenção, o que faz recair sobre a escola e os professores enorme responsabilidade, no sentido de contribuírem, desde cedo, para a formação de cidadãos informados, comunicadores eficazes e participantes ativos na cultura digital. A investigação realizada teve como principal objetivo conhecer as perceções dos professores do ensino básico e secundário sobre a educação mediática e sobre o seu papel e o da escola na promoção da literacia digital e mediática dos alunos, conhecer a sua formação e necessidades e, desta forma, reunir informação útil para orientar a elaboração de recursos educativos. Seguindo uma metodologia não experimental e descritiva, com base em dados obtidos a partir de um questionário online, elaborado pela equipa de investigadores, foi possível concluir que os professores atribuem grande relevância à educação mediática, reconhecem a importância da escola e de si próprios na formação dos alunos, mas revelam também uma formação deficitária neste domínio. Com base nestes resultados, foram elaborados dois recursos educativos, um livro e uma aplicação móvel, pensados para apoiar os professores na resposta ao desafio da implementação da educação mediática na escola.

PALAVRAS-CHAVE: educação mediática / literacia digital e mediática / escola e professores / formação de professores / recursos educativos

PRODUCCIÓN DE RECURSOS EDUCATIVOS PARA LA EDUCACIÓN
MEDIÁTICA EN LA ESCUELA: PERCEPCIONES Y NECESIDADES
DE LOS PROFESORES

RESUMEN. La relevancia de la educación mediática ha sido cada vez más reconocida en el contexto internacional y también en Portugal. Se presta especial atención a los niños y jóvenes, lo que coloca una gran responsabilidad sobre la escuela y los profesores, en el sentido de contribuir, desde temprana edad, a la formación de ciudadanos informados, comunicadores eficaces y participantes activos en la cultura digital. La investigación realizada tuvo como objetivo principal conocer las percepciones de los profesores de educación primaria y secundaria sobre la educación mediática, su papel y el de la escuela en la promoción de la alfabetización digital y mediática de los estudiantes, así como conocer su formación y necesidades para, de esta manera, reunir información útil para orientar la elaboración de recursos educativos. Siguiendo una metodología no experimental y descriptiva basada en datos obtenidos a partir de un cuestionario en línea, elaborado por el equipo de investigadores, fue posible concluir que los profesores otorgan gran relevancia a la educación mediática, reconocen la importancia de la escuela y de sí mismos en la formación de los estudiantes, pero también revelan una formación deficitaria en esta área. Con base en estos resultados, se elaboraron dos recursos educativos, un libro y una aplicación móvil, pensados para apoyar a los profesores en el desafío de implementar la educación mediática en la escuela.

PALABRAS CLAVE: educación mediática / literacia digital y mediática / escuela y profesores / formación de profesores / recursos educativos

PRODUCTION OF EDUCATIONAL RESOURCES FOR MEDIA EDUCATION IN SCHOOLS: TEACHERS’ PERCEPTIONS AND NEEDS

ABSTRACT. The relevance of media education has been increasingly recognized in the international context as well as in Portugal. Particular attention is given to children and young people, placing considerable responsibility on schools and teachers to contribute, from an early age, to the development of informed citizens, effective communicators, and active participants in the digital culture. The primary objective of the research conducted was to understand the perceptions of primary and secondary school teachers regarding media education and their role, as well as the role of the school, in promoting students’ digital and media literacy. Additionally, the study sought to examine teachers’ training and needs in this area, thereby gathering useful information to guide the development of educational resources. Following a non-experimental and descriptive methodology, based on data obtained from an online questionnaire created by the research team, it was concluded that teachers place great importance on media education, recognize the role of the school and themselves in students’ development, but also state that they have insufficient training in this field. Based on these results, two educational resources were developed: a book and a mobile application, designed to support teachers in addressing the challenge of implementing media education in schools.

KEYWORDS: media education / digital and media literacy / school and teachers / teacher training / educational resources

INTRODUÇÃO

As transformações comunicacionais, sociais, económicas e ambientais que marcam a atualidade, associadas à aceleração do desenvolvimento tecnológico e digital, desafiam os cidadãos a efetuar um esforço permanente de aprendizagem, de autoavaliação, de atualização e de reflexão sobre como lidar com e beneficiar dessas transformações, mas também sobre como participar ativamente na definição da direção que as mesmas devem tomar. As escolas e os professores são extremamente importantes neste contexto, em particular no que se refere à formação de crianças e jovens, dada a sua missão de contribuir para favorecer o seu acesso ao conhecimento e o desenvolvimento de competências necessárias para ler o mundo (e os media). No entanto, para que os professores possam desempenhar esse papel essencial na formação de crianças e jovens, é necessário que se faça um investimento de grande importância e dimensão: a formação dos professores e a disponibilização de recursos educativos que apoiem a sua ação num contexto digitalmente mediatizado. É ainda fundamental que esse investimento seja alicerçado no conhecimento prévio das perceções dos professores acerca da importância da educação mediática, das suas competências e necessidades.

Neste artigo apresentamos um estudo realizado no âmbito do projeto de investigação “COMEDIG - Competências de Literacia Digital e Mediática em Portugal”1. O projeto COMEDIG foi desenvolvido com o objetivo de caracterizar a literacia digital e mediática de alunos e professores de diferentes graus de ensino, identificar as suas necessidades de formação e, com base nos resultados, elaborar recursos educativos digitais, destinados a apoiar os professores no planeamento de atividades de educação mediática e os alunos, no desenvolvimento das suas competências, de forma interativa e lúdica.

O estudo foi desenvolvido com professores do ensino básico e secundário, tendo como objetivo conhecer as suas perceções sobre a importância da educação mediática e do papel da escola e dos professores na promoção da literacia digital e mediática de crianças e jovens, bem como perceber qual é a sua formação e as suas necessidades neste domínio e, desta forma, obter informação essencial para orientar a elaboração de dois recursos educativos digitais, prevista no âmbito do projeto COMEDIG. Estes recursos – um livro didático para professores e educadores e uma aplicação móvel destinada a alunos, professores e educadores – estão disponíveis em acesso aberto e serão aqui brevemente caracterizados.

Os professores e a educação mediática - orientações, iniciativas e recursos

O reconhecimento crescente do papel determinante da educação no desenvolvimento das competências de literacia digital e mediática dos cidadãos de todas as idades tem vindo a refletir-se em orientações internacionais e em políticas públicas, focadas na necessidade de formar cidadãos capazes de se apropriarem das tecnologias, de as utilizarem eficazmente e de assim contribuírem para concretizar o seu potencial de inovação e desenvolvimento. No entanto, como se reconhece no mais recente relatório da International Commission on the Futures of Education da UNESCO (ICFE, 2022), ainda não descobrimos como cumprir as promessas associadas às potencialidades das tecnologias digitais, que fornecem “novas alavancas de poder e controle que podem tanto reprimir como emancipar” (p. 7), pelo que é fundamental que a educação, além de promover habilidades funcionais e técnicas, aprofunde a sua ação no que se refere ao desenvolvimento de uma “alfabetização digital crítica” (p. 70). Nesta linha de pensamento, preconizada há longo tempo por múltiplos autores (e.g., Buckingham, 2003; Gutiérrez & Tyner, 2012; Jolls & Wilson, 2014), reconhece-se que as competências técnicas necessárias para fazer um uso instrumental dos media são essenciais num contexto de rápida evolução tecnológica. No entanto, realça-se que estas não garantem o desenvolvimento simultâneo de hábitos de leitura e de expressão de que os cidadãos precisam para serem pensadores críticos, capazes de compreender as características textuais dos media e de questionar e refletir sobre as suas implicações sociais, económicas e culturais (Buckingham, 2019; Scheibe & Rogow, 2012), e comunicadores eficazes, capazes de criar conteúdos, de comunicar e participar na sociedade através dos media. Saliente-se, ainda, a importância “das competências metarreflexivas, traduzidas em hábitos de questionamento crítico, contínuo, do seu próprio comportamento de uso dos media, enquanto consumidores e produtores/comunicadores” (Matos et al., 2023, p. 18).

Como estudos anteriores têm demonstrado (Martens & Hobbs, 2015; Van Deursen & Van Dijk, 2019), a educação constitui-se como um fator determinante no desenvolvimento dessas competências mais complexas, não só dos alunos, mas também dos professores, para que possam agir “juntos sobre a tecnologia e ajudar a determinar como ela é usada e para quais propósitos (ICFE, 2022, p. 70).

No contexto internacional, a UNESCO tem desenvolvido um conjunto significativo de iniciativas e instrumentos, com o intuito de responder à necessidade de formação dos professores em educação mediática que, na sua perspetiva, deve integrar os planos de estudos dos cursos de formação inicial e contínua de docentes (Frau-Meigs, 2006,
p. 17). Constituem exemplos os recursos de apoio à formação de professores publicados em 2006 e em 2013 (e.g., Frau-Meigs, 2006; Grizzle et al., 2013), recentemente atualizados com o fim de responder aos desafios da evolução digital, com a publicação do livro Media and information literate citizens: think critically, click wisely! Media and information literacy curriculum for educators and learners, onde se explicita que “The aim is for educators, learners, community leaders, and peer educators themselves to become media and information literate, and to develop the competencies necessary for integrating MIL at all levels and for all types of education [o objetivo é que educadores, aprendentes, líderes comunitários, e educadores de pares desenvolvam a sua própria literacia mediática e da informação, bem como as competências necessárias para integrar a literacia mediática e da informação em todos os níveis e em todos os tipos de educação]” (Grizzle et al., 2021, p. 60).

A atualização dos recursos existentes e a sua adaptação à convergência mediática que caracteriza a sociedade atual estiveram na origem de uma outra iniciativa de âmbito internacional, resultado da colaboração entre os investigadores que formam a Rede Alfamed, Red Euroamericana de Investigadores en Educomunicación, que consistiu na elaboração colaborativa do “Currículum Alfamed de formación de professores en educación mediática. MIL (Media and Information Literacy) en la era pos-COVID-19” (Aguaded et al., 2021). Este curriculum visa contribuir para valorizar o papel das escolas e dos professores na promoção da literacia mediática de crianças e de jovens, oferecendo aos educadores um guia teórico-prático que os poderá ajudar a enfrentar os desafios da contínua evolução dos media e das consequentes e sempre renovadas necessidades dos alunos.

Ainda no contexto internacional, é forçoso referir o papel das instituições europeias, que têm incentivado o desenvolvimento de investigação e projetos que contribuam para a elaboração, experimentação e avaliação de novas metodologias e recursos na área da educação para a literacia mediática. Refira-se as Conclusões do Conselho sobre a literacia mediática num mundo em constante mutação (Conselho da União Europeia, 2020, p. 25), em que o Conselho convida os Estados-Membros a “apoiar o desenvolvimento e a partilha de materiais de ensino e formação no domínio da literacia mediática e o desenvolvimento de uma abordagem sistemática para o reforço das competências dos profissionais ativos em diferentes áreas”.

Assim, este enquadramento internacional tem contribuído para o desenvolvimento de recursos educativos orientados pelo objetivo de promover a literacia digital e mediática de crianças e jovens, que enriquecem o leque de materiais de ensino e formação à disposição dos professores, e mesmo das famílias. Além dos guias elaborados pela UNESCO e pela Rede Alfamed, anteriormente referidos, é pertinente mencionar outros exemplos, tais como os recursos educativos disponibilizados pela European Association for Viewers Interests (https://eavi.eu/resources-for-teaching-and-learning/), que incluem manuais e toolkits, jogos, cartoons, entre outros. Vale a pena também destacar, como exemplo de conjugação da intencionalidade educativa com uma dimensão lúdica, uma iniciativa do Grupo Comunicar, em Espanha, de criação da série educativa para crianças Bubuskiski, composta por vídeos curtos protagonizados por marionetas (https://www.bubuskiski.es/). Também em Portugal têm sido desenvolvidas iniciativas de criação de recursos, nomeadamente pela Direção-Geral de Educação, que os disponibiliza na Plataforma LEME (https://www.leme.gov.pt/recursos).

Com efeito, o contexto internacional e europeu contribuiu para que, em Portugal, estas e outras iniciativas de educação para os media tenham recebido, nos últimos anos, crescente atenção, reconhecendo-se o papel central da escola na promoção da literacia mediática de crianças e jovens. Destaque-se a Diretiva (UE) 2018/1808 do Parlamento Europeu e do Conselho, que em 2020 foi transposta para a legislação portuguesa (Lei 74/2020, de 19 de novembro), em que se sublinha a importância de não reduzir a literacia mediática a uma “aprendizagem centrada em ferramentas e tecnologias”, e de “dotar os cidadãos de competências de pensamento crítico necessárias para emitir juízos, analisar realidades complexas e reconhecer a diferença entre factos e opiniões” (pp. 77-78).

Esta Diretiva atribui aos Estados-Membros a responsabilidade de tomar medidas para desenvolver as competências de literacia mediática dos cidadãos e de apresentar relatórios à Comissão, de três em três anos, sobre a execução dessa disposição. Essa responsabilidade é desafiante, dado que envolve Portugal num compromisso que reclama políticas educativas que contribuam para a promoção da literacia mediática, nomeadamente no que à escolaridade obrigatória diz respeito e à formação dos respetivos professores. Neste enquadramento, as medidas de política educativa assumiram em Portugal maior consistência e sistematicidade.

É de destacar, neste caminho, a Recomendação do Conselho Nacional de Educação sobre Educação para a Literacia Mediática (Recomendação 6/2011, de 30 de Dezembro), onde se aconselha “que se proceda à inserção organizacional e curricular da Educação para a Literacia Mediática na Educação para a Cidadania” (CNE, 2011, p. 50945), realçando-se que “o mais importante não são os Media em si … mas o seu uso informado, crítico e responsável”. Três anos depois, em 2014, foi publicado o Referencial de Educação para os Media, destinado a apoiar professores e educadores, recentemente atualizado para responder às transformações no domínio da comunicação e dos media (Pereira et al., 2023).

Em 2017 foi publicada a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, que responde a recomendação do CNE acima referida, propondo o desenvolvimento de aprendizagens concretizadas em diferentes domínios intercomunicantes, “tendo na base uma visão holística da pessoa” (Direção Geral de Educação, 2017, p. 8). Os Media surgem como um dos vários domínios (e.g., Direitos Humanos, Igualdade de género, entre muitos outros), cuja abordagem se torna obrigatória em, pelo menos, dois ciclos do ensino básico. A relevância desta estratégia é inequívoca, quanto mais não seja por ter contribuído para consolidar um espaço e um tempo formais de abordagem dos media durante a escolaridade obrigatória em Portugal. No entanto, não é difícil perceber que a multiplicidade de domínios dificulta uma abordagem dos media capaz de responder às necessidades de uma sociedade que enfrenta vários desafios associados à nossa vida mediatizada.

Em 2023 surgiu, em Portugal, a iniciativa governamental de elaboração e implementação de um Plano Nacional de Literacia Mediática, assente no reconhecimento de que “a literacia mediática é, hoje, um alicerce estrutural no cumprimento das tarefas fundamentais do Estado consagradas na Constituição (Resolução do Conselho de Ministros 142/2023, de 17 de novembro, Presidência do Conselho de Ministros, 2023, p. 25), intenção entretanto recuperada pelo governo português atual, que tem em curso a elaboração e discussão de um Plano Nacional para a Literacia Mediática (Resolução do Conselho de Ministros 105/2024).

Neste cenário de crescente reconhecimento do papel da escola no desenvolvimento de competências de autonomia crítica no uso dos media, o investimento na formação de professores e o desenvolvimento e a partilha de materiais de ensino e formação, recomendado pelo Conselho da União Europeia (2020/C 193/06), assumem particular relevância no contexto português.

A resposta a estas prioridades/necessidades de formação e de recursos exige, no entanto, que se envolvam e se dê voz aos professores, que se conheçam as suas perspetivas, as competências que detêm e as suas necessidades (Mateus & Hernández, 2019; Simons et al., 2017). Foi este desiderato que orientou o estudo que aqui apresentamos. Este estudo teve como objetivos:

1. conhecer as perceções dos professores acerca da importância da educação mediática, do seu papel e do papel da escola na promoção das competências de literacia digital e mediática (LDM) dos alunos.

2. perceber que formação têm os professores e quais as suas necessidades de formação nesta área temática.

3. compreender como os professores avaliam: (i) as suas competências de LDM (ii) as competências de LDM dos seus alunos.

4. mapear as preferências dos professores relativamente a temas e formatos, a considerar na elaboração de recursos educativos digitais, destinados a apoiá-los no seu trabalho de promoção da LDM dos alunos.

METODOLOGIA

O estudo é de natureza exploratória, não experimental e descritiva, tendo sido realizado com recurso a um questionário online aplicado a professores do ensino básico e secundário de escolas localizadas em 14 municípios da região centro de Portugal. A investigação contou com o apoio dos Centros de Formação de Associação de Escolas (CFAE)2 desta região, que enviaram aos professores o nosso convite para participar no estudo. A recolha de dados foi realizada entre janeiro e março de 2022.

Mostraram interesse no estudo e aceitaram participar 219 professores. Destes, 200 iniciaram o preenchimento do questionário. Em 77 casos, o preenchimento ficou incompleto, sendo os mesmos excluídos da análise. A amostra final ficou constituída por 123 professores que preencheram o questionário integralmente, cujas características podem ser consultadas na Tabela 1.

Tabela 1

Características dos participantes (n = 123)

Sexo

Feminino

Masculino

Não respondeu

75,6 %

23,6 %

0,8 %

Nível/ciclo de ensino3

1º ciclo do ensino básico

2º ciclo do ensino básico

3º ciclo do ensino básico

Ensino secundário

22,0 %

19,5 %

42,3 %

48,8 %

Habilitações académicas

Bacharelato

Licenciatura

Pós-graduação

Mestrado

Doutoramento

22,0 %

64,2 %

12,2 %

0,8 %

0,8 %

Idade

M = 53.19 (DP = 5.69); amplitude: 36-67 anos

Anos de serviço

M = 28.45 (DP = 6.89); amplitude: 7-42

Nota. Cada professor pode lecionar em mais do que um nível/ciclo de ensino.

Previamente ao preenchimento do questionário, foi solicitado que os professores lessem e assinalassem a sua decisão de participar no Consentimento Informado, documento que disponibiliza informação sobre os objetivos do estudo, bem como indica que a investigação assegura o anonimato e a confidencialidade dos dados, a participação voluntária e a possibilidade de desistir da participação em qualquer momento, e onde se disponibilizam os contactos da equipa de investigação para o esclarecimento de eventuais dúvidas.

O questionário online foi elaborado pela equipa de investigação. Inclui uma primeira secção com perguntas para caracterização da amostra (dados sociodemográficos e profissionais) e uma segunda parte com perguntas que incidem nas variáveis consideradas no estudo. No início da segunda parte do questionário, antes das perguntas sobre a temática do estudo e com o objetivo de assegurar que todos os professores respondam às questões baseados num entendimento comum do conceito, é apresentada a seguinte definição de literacia digital e mediática: “A literacia digital e mediática envolve competências de uso das diferentes funcionalidades técnicas dos media, competências de análise, compreensão e avaliação crítica dos media e dos conteúdos mediáticos e, ainda, competências para criar conteúdos mediáticos e para comunicar em diversos contextos usando os media” (elaboração própria).

Esta definição baseou-se no modelo conceptual adotado no âmbito do projeto COMEDIG, inspirado em propostas de diferentes autores (Comissão Europeia, 2009; Buckingham, 2003; Ferrés, & Piscitelli, 2012), que assenta numa configuração tridimensional da literacia digital e mediática: (i) Competências técnico-operacionais; (ii) Competências de leitura crítica; e (iii) Competências de expressão crítica (Matos et al., 2023). As competências técnicas e operacionais envolvem conhecimentos e habilidades de uso das diferentes funcionalidades técnicas dos media, quer para aceder e encontrar conteúdos, quer para comunicar e criar conteúdos, constituindo pré-requisitos para o desenvolvimento de competências mais complexas de leitura e de expressão críticas. As competências de leitura crítica envolvem a análise, a compreensão e a avaliação crítica dos media e dos conteúdos mediáticos. As competências de expressão crítica envolvem conhecimentos e competências necessários para criação de conteúdos, para comunicação e participação nos e através dos media. Ambas as dimensões (de leitura e de expressão) baseiam-se na capacidade de formular perguntas e de questionar criticamente os textos mediáticos e os comportamentos de comunicação, os dos outros e os próprios (Matos et al., 2023).

A importância atribuída pelos professores à educação mediática no âmbito da educação para a cidadania e ao seu papel, bem como ao papel da escola na promoção da literacia digital e mediática (LDM) dos alunos foi avaliada através de questões em escala de Likert, constituídas por cinco níveis que variavam entre “Nada importante” a “Muitíssimo Importante”. Para conhecer os contextos em que receberam formação para desenvolver a sua LDM e para desenvolver a LDM dos seus alunos, foram colocadas questões de escolha múltipla. Com o objetivo de comprender como os professores avaliam as suas competências de LDM, bem como as competências de LDM dos seus alunos de diferentes ciclos/níveis de ensino foram colocadas três questões que incidiam sobre (1) as competências de uso das diferentes funcionalidades técnicas dos media; (2) as competências de análise, compreensão e avaliação crítica dos media e dos conteúdos mediáticos; e (3) as competências de criação/produção de conteúdos mediáticos e de comunicação através dos media, a que os professores deviam responder utilizando uma escala de Likert de três níveis (básicas, intermédias, avançadas). Quanto às preferências dos professores relativas aos temas e formatos, a considerar nos recursos educativos desenvolvidos para promover a LDM dos alunos, as mesmas foram mapeadas através de perguntas abertas.

O tempo estimado para o preenchimento do questionário foi de 25 minutos.

Previamente à disponibilização do questionário online, este foi alvo de um estudo piloto com um grupo de sete professores, com o objetivo de assegurar a clareza e compreensão das questões. Os comentários e sugestões desse grupo de professores foram considerados e integrados, o que permitiu estabilizar uma versão final do questionário.

As análises estatísticas dos dados quantitativos foram realizadas com recurso ao IBM SPSS Statistics (versão 29.0). Inicialmente foi conduzida uma análise descritiva para caracterizar a amostra, sendo as variáveis de interesse apresentadas em frequências absolutas. Para comparar a distribuição das variáveis relacionadas com a perceção da importância da educação mediática entre professores e professoras, foi utilizado o teste U de Mann-Whitney. Para averiguar se a perceção da importância da educação mediática está associada à idade, recorreu-se à análise da correlação de Spearman. A escolha destes dois testes prende-se com o facto de que não assumem a normalidade, sendo adequados para variáveis ordinais. O nível de significância adotado para as análises inferenciais foi de 5% (α = 0,05).

Em relação às escalas que avaliam a perceção das competências de LDM dos professores e dos seus alunos, decidiu-se testar a sua confiabilidade recorrendo ao coeficiente alfa de Cronbach. O uso desta abordagem é recomendado para escalas com, pelo menos, três itens. Os valores iguais ou superiores a 0,6 foram considerados como aceitáveis (Fortin, 2003).

As respostas às perguntas abertas foram analisadas de forma qualitativa com abordagem de categorização direta. Este processo consistiu em identificar os tópicos recorrentes e agrupá-los em categorias com base no seu significado. Posteriormente, as categorias foram sintetizadas para fornecer um resumo claro das preferências quanto aos temas e formatos a considerar nos recursos educativos.

RESULTADOS

Em relação ao objetivo de conhecer as perceções dos professores acerca da importância da educação mediática, os resultados revelam que a maioria dos participantes (80,5 %)
considera a educação mediática muito importante (45,5 %) ou muitíssimo importante (35 %). É de realçar que nenhum dos participantes escolheu as opções de resposta “Nada importante” e “Pouco Importante” (Figura 1).

Figura 1

Importância atribuída à educação mediática, no âmbito da Educação para a Cidadania (%)

O teste não paramétrico de Mann-Whitney U foi utilizado para averiguar se professores e professoras diferem na importância atribuída à educação mediática. Os resultados não revelaram diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos (U = 1230.5; p = .443). A importância atribuída pelos participantes à educação mediática revelou, ainda, não estar associada à sua idade, como demonstrou a análise correlacional efetuada (rho = -.009; p = .919)

Quando questionados sobre a importância do papel dos professores e do papel da escola na promoção das competências de LDM dos alunos, as respostas dos participantes refletem um reconhecimento dessa importância. Como podemos ver na Figura 2, a maioria dos professores escolheu as opções de resposta “Muito importante” e “Muitíssimo importante”, quer no que diz respeito ao papel dos professores (43,1 % e 39,8 %, respetivamente), quer no que se refere ao papel da escola (39 % e 48,8 %).

Figura 2

Importância atribuída ao papel dos professores e da escola na promoção da LDM dos alunos (%)

Os resultados do teste de Mann-Whitney U revelam que professores e professoras não diferem no reconhecimento da importância do papel dos professores (U = 1354; p = ,971) e do papel da escola (U = 1428; p = ,598) na promoção da LDM dos alunos. Da mesma forma, a análise correlacional efetuada demonstra que esse reconhecimento não está associado à idade, quer no que diz respeito ao papel dos professores
(rho = -,024; p = ,795), quer no que se refere ao papel da escola (rho = -,027; p = ,772).

Um outro objetivo do estudo foi o de conhecer se os professores tiveram formação para desenvolver a sua literacia digital e mediática e a dos seus alunos, e em que contextos.

Figura 3

Contextos de formação para desenvolver a sua LDM e a LDM dos seus alunos (%)

A análise da Figura 3 sugere que a formação contínua é o contexto em que os professores recebem mais formação, quer para desenvolver as suas competências de LDM (contexto indicado por 80,5 % dos participantes), quer as dos seus alunos (contexto indicado por 68,3 % dos participantes). O contexto de formação inicial é indicado por uma percentagem reduzida de professores, sobretudo no que se refere à sua preparação para implementar a educação mediática (4,9 %). Verifica-se que os diferentes contextos são indicados por uma menor percentagem de professores na pergunta que se centra na formação para promover a LDM dos alunos. Em concordância com esta tendência, a opção “Não tive formação” foi escolhida por uma maior percentagem de professores, quando se trata da sua preparação para implementar a educação mediática com os seus alunos (18,7 %), do que na pergunta que incide no desenvolvimento das suas próprias competências (4,1 %).

Foi objetivo deste estudo compreender como os professores avaliam a sua LDM e a dos seus alunos, atendendo às três dimensões que a configuram, de acordo com o modelo conceptual adotado. As competências de LDM dos professores foram avaliadas por todos os participantes do estudo. Porém, as competências de LDM dos alunos de diferentes níveis de ensino foram avaliadas apenas pelos participantes que lecionam nesses mesmos níveis de ensino. Todas as escalas, com a exceção da escala focada nas competências de alunos do 2º ciclo, mostraram ter uma consistência interna de muito boa a excelente (professores: α = 0,89, correlações entre itens de 0,68 a 0,78; alunos do 1º ciclo: α = 0,93, correlações entre itens de 0,74 a 0,88; alunos do 3º ciclo: α = 0,87, correlações entre itens de 0,65 a 0,78; alunos do secundário: α = 0,88, correlações entre itens de 0,67 a 0,75). A consistência da escala focada nas competências de alunos do 2º ciclo estava na margem de aceitabilidade (α = 0,59, correlações entre itens de 0,22 a 0,43). Os resultados relativos à autoavaliação dos professores podem ser observados na Figura 4.

Figura 4

Como os professores avaliam as suas competências de LDM (%)

A maioria dos professores avalia as suas competências de LDM como estando num nível intermédio, quer se trate de competências técnico-operacionais (65 %), de leitura crítica (64,2 %) ou de expressão crítica (52,8 %). As competências de expressão crítica, isto é, competências de criação/produção de conteúdos mediáticos e de comunicação através dos media, constituem a dimensão em que uma percentagem mais elevada de professores se situa num nível básico (35 %).

No que diz respeito às competências de LDM dos alunos de diferentes ciclos de ensino, as perceções dos professores são apresentadas a seguir. Na Figura 5 estão representadas as perceções dos professores relativamente aos alunos do 1º ciclo do ensino básico.

Figura 5

Perceções sobre as competências de LDM dos alunos do 1º ciclo do ensino básico (%)

Mais de 80% dos professores consideram que os alunos do 1º ciclo do ensino básico apresentam competências básicas de LDM nas três dimensões consideradas, sendo que nenhum professor avaliou as competências destes alunos como avançadas.

Verifica-se a mesma tendência quando se trata das perceções dos professores acerca dos alunos do 2º ciclo do ensino básico, com a grande maioria a avaliar como básicas as competências técnico-operacionais dos alunos (79,2 %), as competências de leitura crítica (91,7 % dos professores) e de expressão crítica (87,5 %).

Figura 6

Perceções sobre as competências de LDM dos alunos do 2º ciclo do ensino básico (%)

Relativamente às perceções dos professores no caso dos alunos do 3º ciclo do ensino básico, verifica-se uma diminuição na percentagem daqueles que consideram as suas competências de LDM básicas, aumentando a percentagem que avalia as competências dos alunos como intermédias, tanto no que se refere às competências técnico-operacionais (46,2 %), como de leitura crítica (28,9 %) e de expressão crítica (23,1 %).

Figura 7

Perceções sobre as competências de LDM dos alunos do 3º ciclo do ensino básico (%)

No caso do ensino secundário, a avaliação feita pelos professores é mais positiva, sendo que a maioria considera que os alunos possuem competências de nível intermédio: 51,7 % dos professores no caso das competências técnico-operacionais e 53,3 % dos professores no que diz respeito às competências de leitura crítica e de expressão crítica (Figura 8).

Figura 8

Perceções sobre as competências de LDM dos alunos do ensino secundário (%)

Realce-se, ainda, que 18,3 % dos professores consideram que os alunos possuem competências técnico-operacionais avançadas e 10 % avaliam as competências de expressão crítica dos alunos também como avançadas. Isto não se verifica no que diz respeito às competências de leitura crítica, ou seja, às competências de análise, compreensão e avaliação crítica dos media e dos conteúdos mediáticos, em que apenas 3,3 % dos professores consideram que os alunos se situam num nível avançado.

Quanto ao objetivo de mapear as preferências de temas e formatos a incluir nos recursos educativos digitais destinados a professores, os resultados apontam para a importância de considerar temas que incidem sobre três dimensões da literacia digital e mediática, promovendo competências técnico-operacionais (e.g., softwares e aplicações multimédia, potencialidades das ferramentas digitais), de leitura crítica (e.g., fiabilidade da informação, direitos de autor, financiamento) e de expressão crítica (e.g., criação e produção de conteúdos, programação). Os professores realçaram que a introdução destes temas deve incluir as componentes teórica e prática adaptadas para diferentes grupos-alvo, de acordo com o seu nível de literacia digital e mediática, e sugeriram a articulação dos mesmos com os problemas da atualidade (e.g., segurança digital, globalização da comunicação, literacia digital e democracia, inclusão). Aludiram, também, à diversidade de contextos em que estes temas podem ser explorados, quer dentro da sala de aula, quer fora dela.

Em relação aos formatos, as sugestões partilhadas focaram-se nos aspetos relacionados com a organização e apresentação de conteúdos (e.g., organização por temas, apresentação interativa, intuitiva e apelativa, com recurso a linguagem simples, acessível e objetiva). Adicionalmente, referiu-se a importância da inclusão de explicações detalhadas e de exemplos práticos de aplicação, tal como o uso de recursos baseados em ferramentas já existentes ou criadas de raiz para o propósito (e.g., jogos digitais). Foi destacado, também, que os recursos destinados a professores devem ser de acesso livre.

DISCUSSÃO

Este estudo teve como objetivo conhecer as perceções dos professores acerca da importância da educação mediática, do seu papel e do papel da escola na promoção da literacia digital e mediática dos alunos; perceber qual a sua formação nesta área e as suas necessidades; compreender como avaliam as suas competências de LDM e as dos seus alunos e mapear as suas preferências relativamente a temas e formatos a considerar na elaboração de recursos educativos digitais, destinados a apoiá-los no seu trabalho de promoção da LDM dos alunos. No que diz respeito ao primeiro objetivo do estudo, os resultados demonstram que os professores atribuem grande importância à educação mediática, no contexto da educação para a cidadania, revelando assim uma perspetiva docente consonante com o entendimento de diversos autores, de que a educação mediática deve ser reconhecida como um direito para o exercício da cidadania (Comissão Europeia, 2009; Mateus et al., 2019). As respostas dos professores são ainda coerentes com os resultados encontrados por Gould et al. (2024) num estudo recente, que revelam que os professores do ensino básico e secundário reconhecem amplamente a importância da literacia mediática para os seus alunos. Os resultados evidenciam, igualmente, que os professores, independentemente do seu sexo e idade, reconhecem a importância do seu papel e do papel da escola na promoção da literacia digital e mediática (LDM) dos alunos. Estes resultados permitem algum otimismo, considerando que a literatura revela que as crenças e atitudes dos professores, em relação à educação mediática, são cruciais para o sucesso da sua implementação (Gould et al., 2024; Schmitz et al., 2024).

Constata-se uma ligeira diferença, no sentido de os professores considerarem o papel da escola ainda mais importante que o seu (48,8 % afirmaram que a escola é muitíssimo importante e 39,8 % declararam que o papel dos professores é muitíssimo importante). Uma hipótese explicativa para esta diferença pode estar relacionada com o facto de a escola, enquanto contexto educativo, envolver vários agentes (além dos professores), tempos e espaços que devem convergir no sentido de promover a LDM dos alunos.

Esta importância da escola, enquanto espaço que alcança todas as crianças, os jovens e os professores, é reconhecida por diferentes autores há muito tempo (e.g., Frau-Meigs, 2006; Grizzle et al., 2013, 2021). No entanto, para que a escola e os professores desempenhem o seu papel neste domínio, é necessário que estejam preparados para lidar com um ecossistema mediático em constante transformação, pelo que se revela essencial que o percurso de formação profissional dos professores os capacite para implementar a educação mediática na escola.

Os professores enfrentam um duplo desafio: o de desenvolverem a sua própria LDM e o de promoverem a LDM dos alunos. Para enfrentar este segundo desafio, os professores precisam de formação que contemple uma componente conceptual que os familiarize com os referenciais teóricos de literacia mediática, necessários para que a sua ação seja fundamentada, consistente e sistemática com os princípios que devem orientar a educação mediática, as diferentes perspetivas em que podem enquadrar a sua ação (mais protecionista ou capacitadora), mas também sobre as metodologias e os recursos mais adequados para utilizar com alunos de diferentes níveis de escolaridade. No entanto, os resultados obtidos em resposta ao objetivo de perceber qual a formação e as necessidades dos professores revelam que, de entre várias opções de resposta sobre os contextos em que receberam formação, a opção “autodidata” foi a segunda mais escolhida, apenas ultrapassada pela opção “na formação contínua” e que uma percentagem considerável dos professores (18,7 %) declara não ter tido formação para implementar a educação mediática. Os resultados demonstram, ainda, que a formação inicial como contexto de desenvolvimento das suas competências de LDM e das suas competências para implementar a educação mediática junto dos seus alunos é indicada por uma percentagem baixa de professores (17,1 % e 4,9 %, respetivamente). Estes resultados evidenciam a necessidade de um maior investimento na formação dos professores em Portugal, no que diz respeito à temática da LDM, realidade que é comum a outros países. Na verdade, apesar de o uso da tecnologia como recurso educativo fazer frequentemente parte dos planos de estudos dos cursos de formação de professores em diferentes países, a adoção dos media como objeto de estudo e a preparação dos professores para implementar a educação mediática na escola – como defendem as instituições internacionais como a UNESCO e as entidades europeias (Conselho da União Europeia, 2020; Grizzle et al., 2021) – é ainda insuficiente (Arciniega Cáceres & Figueras-Maz, 2019; European Commission/EACEA/Eurydice, 2019; Share et al., 2023).

Relativamente ao objetivo de compreender como os professores avaliam as suas competências de LDM e as dos seus alunos, a maioria dos participantes declarou que as suas competencias de LDM se situam num nível intermédio, seguindo-se a opção de resposta “Básicas” como a mais escolhida. Destacam-se, nestes resultados, as competências de criação/produção de conteúdos mediáticos e de comunicação através dos media (expressão crítica), que uma maior percentagem de professores avalia como sendo de nível básico (35 %). Esta autoavaliação dos professores revela a mesma tendência encontrada por Pinto e Pereira (2018), num estudo que envolveu uma amostra de 130 professores portugueses do ensino básico e secundário, em que os níveis “baixo” e “médio” foram os mais indicados.

No que se refere aos alunos, os professores consideram que nos 1º e 2º ciclos do ensino básico os alunos apresentam competências de LDM básicas, resultados coerentes com os obtidos em estudos anteriores (García-Ruiz et al., 2020), e reconhecem uma progressão no nível de literacia à medida que se eleva o nível de escolaridade. No entanto, mesmo no caso dos alunos do 3º ciclo do ensino básico e do ensino secundário, a avaliação dos professores não vai muito além do nível intermédio. Ainda assim, sobressaem algumas diferenças de acordo com a dimensão da literacia avaliada, como podemos observar nos gráficos 7 e 8 que sugerem ser a dimensão de leitura crítica aquela em que os alunos possuem competências mais básicas, de acordo com a perceção dos professores. Estes resultados indicam a mesma direção de estudos anteriores que demonstram que a LDM, envolvendo competências complexas de análise, questionamento, compreensão e avaliação, não se desenvolve naturalmente com a idade. Antes exige uma ação educativa intencional, o que vem reforçar a importância da promoção de uma alfabetização digital crítica, que vá além da formação para o acesso e o uso instrumental das tecnologias digitais (Buckingham, 2019; ICFE, 2022; Potter, 2021; Romero-Rodríguez et al., 2019; Van Deursen & Van Dijk, 2019). A dimensão de análise, questionamento e reflexão crítica sobre os media e os conteúdos mediáticos, considerada por múltiplos autores a componente chave da literacia mediática (e.g., Buckingham, 2003; Gutiérrez & Tyner, 2012; Jolls & Wilson, 2014), surge, neste estudo, como área primordial da ação dos professores.

O presente estudo permitiu, ainda, responder ao objetivo de mapear as preferências dos professores relativamente a temas e formatos a considerar na elaboração de recursos educativos digitais, destinados a apoiá-los no seu trabalho de promoção da LDM dos alunos.

As preferências dos professores e as sugestões que ofereceram foram consideradas na elaboração de dois recursos educativos digitais: o livro Educação para os media em prática, publicado pela Imprensa da Universidade de Coimbra, e o jogo Eu e os Media4. Estes dois recursos visam contribuir para a formação dos professores e outros educadores, e apoiá-los na implementação da educação para os media nas escolas. Ambos foram disponibilizados em acesso aberto, indo, desta forma, ao encontro das preferências declaradas pelos participantes.

O livro Educação para os media em prática (Figura 9) alia uma componente teórica de conceptualização a uma componente orientada para as práticas, de acordo com a sugestão dos professores participantes no estudo.

Figura 9

Capa do livro Educação para os media em prática

Nota. De Educação para os media em prática, de M. Matos et al., 2023 (https://doi.org/10.14195/978-989-26-2542-3).

A primeira componente visa familiarizar os professores com conceitos e referenciais teóricos, disponibilizando fontes às quais podem recorrer para aprofundar os seus conhecimentos sobre a temática. Esta componente alia-se a um conjunto de propostas de atividades para implementar com os alunos, com o objetivo de que aprofundem conhecimentos e desenvolvam competências no âmbito das três dimensões da literacia digital e mediática (competências técnico-operacionais, de leitura crítica e de expressão crítica), mediante a abordagem de dez grandes temas relevantes e atuais, no âmbito dos quais as diferentes propostas temáticas dos participantes foram integradas: Importância e impacto dos media; Audiências e processos de interação; Linguagem dos media; Os media e a compreensão do mundo; Instituições e profissionais dos media; Oportunidades e riscos; Publicidade e propaganda; Pesquisa, validação, seleção e integração da informação; Comunicar, colaborar e participar; e Entretenimento com os media. Os conteúdos e as propostas apresentados surgem articulados com as orientações curriculares do ensino básico e secundário em Portugal, o que permite atender às sugestões dos participantes no estudo, que sublinharam a importância de adaptar conteúdos e propostas de atividades a diferentes grupos-alvo. Houve, assim, o cuidado de indicar, em cada atividade proposta, os anos de escolaridade e as áreas disciplinares do currículo do ensino básico e secundário em que a mesma pode ser implementada. As atividades são descritas de forma detalhada, com instruções claras sobre metodologias, recursos e estratégias de avaliação, preocupação que foi manifestada pelos professores que participaram no estudo. Na abordagem dos diferentes temas procurou-se, ainda, contemplar diferentes contextos (por exemplo, sala de aula, contexto escolar mais amplo) em que a educação mediática pode ser implementada, tal como solicitado pelos participantes. A preferência demonstrada pelos professores por uma apresentação interativa, intuitiva e apelativa dos recursos consubstanciou-se no design e ilustração que caracterizam o livro, bem como o segundo recurso educativo digital elaborado: um jogo para dispositivos móveis.

A conceção do jogo Eu e os Media foi ao encontro da sugestão de criação de recursos apresentada pelos participantes no estudo, e mais especificamente de jogos digitais. Este jogo (Figura 10) visa contribuir para o desenvolvimento da LDM dos alunos do ensino básico e para estimular o diálogo entre crianças, jovens e adultos (professores, pais) sobre os media. O mesmo pode ser utilizado pelas crianças para aprenderem, de forma lúdica, sobre o mundo dos media. Os professores do ensino básico podem também utilizar o jogo como recurso educativo, nomeadamente em articulação com o livro Educação para os media em prática. Com este objetivo, ao longo do livro são apresentadas, aos professores, sugestões concretas de utilização do jogo Eu e os Media, explicitando-se os temas a explorar através do mesmo e os contextos (áreas disciplinares, anos de escolaridade) adequados à sua utilização.

Figura 10

Interfaces do jogo Eu e os Media

O jogo apresenta um conjunto de perguntas, organizadas em dez temas, os mesmos que dão forma aos módulos do livro. Estes temas são abordados atendendo às três dimensões da literacia digital e mediática consideradas. O jogo apresenta também um conjunto de curiosidades sobre os media, permitindo que os jogadores aprofundem os seus conhecimentos acerca dos temas e reflitam sobre o uso que fazem dos media e o seu potencial impacto. O jogo oferece ainda aos professores a possibilidade de criar diferentes salas para os alunos, especificando os temas que serão abordados em cada sala, e de analisar os resultados para identificar quais os temas que necessitam de ser revisitados. A utilização desta aplicação móvel pelos professores poderá contribuir para envolver os alunos na aprendizagem, permitindo simultaneamente aos professores estabelecerem uma aproximação ao mundo quotidiano dos alunos e às suas práticas mediáticas.

Conclui-se que o estudo realizado permitiu aprofundar o conhecimento acerca das perceções dos professores sobre a importância da educação mediática e do seu papel, bem como do papel da escola, na promoção da LDM dos alunos, caracterizar as suas competências de LDM e as dos alunos de diferentes ciclos/níveis de escolaridade, com base nas suas perceções e, ainda, utilizar os resultados para fundamentar a elaboração de dois recursos educativos digitais. Ao valorizar as perceções dos professores, este trabalho contribui para o desenvolvimento da educação mediática nas escolas pois, como referem Simons et al. (2017, p. 101), “the compatibility between the initiatives to promote media literacy in education, the teachers’ competencies in the field, and the teachers’ beliefs on the importance of the topic determine whether these initiatives are accepted and successful [a compatibilidade entre as iniciativas para promover a educação para a literacia mediática, as competências dos professores na área e as suas crenças sobre a importância do tema determinam se essas iniciativas são aceites e bem-sucedidas]”.

No entanto, o estudo realizado apresenta também algumas limitações, abrindo portas a futuras investigações que permitam complementar as perceções dos professores com a auscultação de outros atores escolares, nomeadamente os alunos, bem como alcançar amostras de maior dimensão e representatividade. Por outro lado, seria relevante confrontar a autoavaliação efetuada pelos professores com dados resultantes da avaliação direta das competências de literacia digital e mediática. No que se refere aos recursos educativos digitais que foram elaborados, os investigadores esperam vir a desenvolver, no futuro, estudos de avaliação do seu impacto nas práticas dos professores e nas aprendizagens dos alunos. Em suma, é essencial dar continuidade à investigação no sentido de assegurar que a educação acompanha a evolução contínua da tecnologia digital e as suas implicações educativas, sociais, económicas, políticas e ambientais.

Apoyos

Projeto cofinanciado pelo COMPETE 2020, Portugal 2020 e União Europeia, através do FEDER e pela Fundação para a Ciência e Tecnologia I.P./MCTES através de fundos nacionais (PTDC/CED-EDG/32560/2017). Trabalho realizado com o apoio do Centro de Estudos Interdisciplinares – CEIS20, Universidade de Coimbra.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores não têm nenhum conflito de interesses.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Conceptualização, A. P. M. M., I. F., E. B. C.; metodologia, A. P. M. M., I. F.; E. B. C.; análise de dados, A. P. M. M., E. B. C.; redação, A. P. M. M., I. F., E. B. C.

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  1. 1 https://www.uc.pt/fpce/comedig

  2. 2 Os CFAE são entidades formadoras e gestoras da formação contínua de professores em Portugal, que visam responder às prioridades identificadas nas escolas associadas.

  3. 3 Em Portugal, o ensino básico é constituído por três ciclos sequenciais (crianças com idades entre os 6 e os 15 anos). O primeiro ciclo tem a duração de quatro anos e o segundo ciclo de dois anos. Ambos equivalem ao Nível 1 da International Standard Classification of Education (ISCED). O terceiro ciclo tem a duração de três anos e corresponde ao Nível 2 da ISCED (lower secondary education). O ensino secundário tem a duração de três anos (jovens com idades entre os 16 e os 18 anos) e corresponde ao Nível 3 da ISCED (upper secondary education). https://uis.unesco.org/sites/default/files/documents/international-standard-classification-of-education-isced-2011-en.pdf

  4. 4 Disponíveis em https://www.uc.pt/fpce/comedig/recursoseducativos