Fundamentalismo e Modernidade Tardia:
uso dos meios de comunicação digital
e a produção de incerteza

Dr. Patricio Dugnani

https://orcid.org/0000-0001-7877-4514

[email protected]

Centro de Comunicação - CCL e Letras da Universidade
Presbiteriana Mackenzie - UPM, Brasil

Recebido: 18 de dezembro del 2024 / Aceito: 26 de agosto del 2025

doi: https://doi.org/10.26439/contratexto2025.n44.7646

RESUMO: Esse artigo pretende observar a relação entre o aumento de discursos fundamentalistas, o uso dos meios de comunicação digitais e a produção da incerteza. Tal produção surge como uma estratégia de comunicação e disseminação, não de verdades que tragam uma sensação de segurança, mas de pós-verdades e fake news, as quais, em vez de produzir esclarecimento, têm gerado medo, confusão, alienação, preconceito e violência. Essas ideias têm sido disseminadas pelos meios digitais na modernidade tardia, o que se torna paradoxal em relação à promessa iluminista de liberação do humano pela evolução tecnológica, pois ao contrário de promover o conhecimento, os meios parecem estar aprisionando a consciência. Justifica-se esse debate, pois ele tem influenciado profundamente a organização social humana, além de originar a polarização e a fragmentação da sociedade, resgatando discursos fundamentalistas que pareciam esquecidos. Essa reflexão, exploratória e teórica, busca apoiar seu debate, partindo de autores da teoria dos meios, como Marshall McLuhan e Eugênio Rondini Trivinho, juntamente com autores da Sociologia, como Zygmunt Bauman, Hartmut Rosa e Eliana Sanches de Frias. Além do questionamento da relação entre meios de comunicação, sensação de incerteza, resgate e o aumento da difusão de discursos fundamentalistas, outra questão é importante: ampliar do conceito de, para além dos discursos religiosos.

Palavras-chave: fundamentalismo / discursos / meios de comunicação / incerteza / modernidade tardia

Fundamentalism and Late Modernity: use of digital media
and the production of uncertainty

ABSTRACT: This article aims to examine the relationship between the rise of fundamentalist discourses, the use of two digital communication methods, and the production of uncertainty. This production of uncertainty emerges as a communication and dissemination strategy, not of truths that bring a sense of security, but of post-truths and fake news. Instead of producing enlightenment, it generates confusion, alienation, prejudice, and violence. These ideas were disseminated through my fingers in Late Modernity, which becomes paradoxical in relation to the Enlightenment promise of human liberation through technological evolution, since, instead of promoting or achieving it, they seem to be consciously imprisoning us. This debate is justified because it has profoundly influenced human social organization, in addition to producing the polarization and fragmentation of society, reviving fundamentalist discourses that seemed already forgotten. This exploratory and theoretical reflection seeks to support this debate, drawing on authors of media theory such as Marshall McLuhan and Eugênio Rondini Trivinho, along with sociology authors such as Zygmunt Bauman, Hartmut Rosa, and Eliana Sanches de Frias. In addition to questioning the relationship between the media, the sense of uncertainty, and the revival and increased dissemination of fundamentalist discourses, another important issue is expanding the concept of fundamentalism, beyond religious discourses.

Keywords: fundamentalism / speeches / media / uncertainty / late modernity

Fundamentalismo y Modernidad Tardía: uso de los medios
digitales y producción de incertidumbre

RESUMEN: Este artículo pretende examinar la relación entre el auge de los discursos fundamentalistas, el uso de dos métodos de comunicación digital y la generación de incertidumbre. Esta incertidumbre surge como una estrategia de comunicación y difusión, no de verdades que infunden seguridad, sino de posverdades y noticias falsas. En lugar de generar iluminación, genera confusión, alienación, prejuicios y violencia. Estas ideas se difundieron a través de mis dedos en la Modernidad Tardía, lo cual resulta paradójico en relación con la promesa ilustrada de liberación humana a través de la evolución tecnológica, ya que, en lugar de promoverla o lograrla, parecen ahora aprisionarnos conscientemente. Este debate se justifica porque ha influido profundamente en la organización social humana, además de producir la polarización y fragmentación de la sociedad, reviviendo discursos fundamentalistas que parecían ya olvidados. Esta reflexión exploratoria y teórica busca sustentar este debate, basándose en autores de teoría de los medios como Marshall McLuhan y Eugênio Rondini Trivinho, junto con autores de sociología como Zygmunt Bauman, Hartmut Rosa y Eliana Sanches de Frias. Además de cuestionar la relación entre los medios, la sensación de incertidumbre y el resurgimiento y la creciente difusión de los discursos fundamentalistas, otra cuestión importante es ampliar el concepto de fundamentalismo, más allá de los discursos religiosos.

Palabras clave: fundamentalismo / discursos / medios de comunicación / incertidumbre / modernidad tardía

Introdução

Há muito tempo, o ser humano vem ocupando o espaço do planeta Terra. Contudo, paradoxalmente, também vem sentindo-se insignificante perante a dimensão espacial e temporal do universo. Vivenciando essa contradição entre o orgulho do progresso humano e a sensação de pequenez perante a grandiosidade do universo, os seres humanos buscam ideias que possam trazer uma sensação de segurança frente a consciência da fragilidade da vida. Nesse sentido, têm procurado discursos que possam saciar essa angústia humana que povoa o imaginário da sociedade. No entanto, diversas vezes, essas certezas e verdades buscadas são questionáveis, pois estão baseadas principalmente na crença e na emoção, do que propriamente na razão. Esse é um dos motivos que levam a humanidade a se ancorar em discursos fundamentalistas.

Essa breve reflexão inicial deve suscitar um debate um pouco prolongado sobre um problema que aflige a sociedade tardo-moderna: o crescimento da difusão de visões fundamentalistas a partir dos meios de comunicação digitais. Lembrando que essas visões fundamentalistas, que Zygmunt Bauman (2001) delimitada em seu conceito de sociedade líquida, têm como combustível principal, o medo, a sensação de insegurança, a incerteza.

A sensação de incerteza tem levado a sociedade tardo-moderna a buscar intensamente qualquer promessa de certeza, para espantar essa sensação de insegurança, fazendo com que aumente a polarização e fragmentação das ideias nas comunidades que constituem a sociedade de forma global. O uso das fake news acaba constituindo uma pós-verdade, ou seja, uma verdade conveniente, baseada mais na emoção e na crença, do que na razão. Essas notícias falsas estão servindo para aumentar a sensação de insegurança e, consequentemente, a polarização e a ampliação da difusão dos discursos fundamentalistas.

Tendo essas questões em mente, esse artigo pretende analisar a relação entre o aumento de discursos fundamentalistas, o uso dos meios digitais e a produção da incerteza, como uma estratégia de comunicação e produção, não de uma verdade segura, mas de uma pós-verdade. Essa proliferação de discursos fundamentalistas, que são alimentados pelas fake news, gera uma pós-verdade, em vez de produzir esclarecimento, têm gerado confusão, alienação, preconceito e violência nos meios digitais da tardo-modernidade. Justamente por essa premissa, busca-se justificar esse debate, pois ele tem influenciado profundamente a organização social humana, além de estar produzindo a polarização e a fragmentação da sociedade ao resgatar discursos fundamentalistas que pareciam esquecidos.

Por causa dessa questão, esta reflexão exploratória e teórica busca apoiar o debate, partindo de autores da teoria dos meios como Marshall McLuhan e Eugênio Rondini Trivinho (2024), juntamente com autores da Sociologia, como Zygmunt Bauman (2008), Hartmut Rosa (2019, 2022) e Eliana Sanches de Frias (2022). Esses autores vão orientar o questionamento da relação entre meios de comunicação (principalmente os digitais), a crescente sensação de incerteza, o resgate e aumento da difusão de discursos fundamentalistas. Além deles outros teóricos serão importantes, pois pretende-se fazer uma ampliação do conceito de fundamentalismo principalmente em relação ao uso dos meios de comunicação, para além das questões dos discursos religiosos. Sendo assim, acredita-se que as visões fundamentalistas vão além dos discursos religiosos, povoando as reflexões das dimensões políticas, sociais e éticas da sociedade na modernidade tardia. De maneira paradoxal e contraditória, para esse movimento de ampliação do conceito de fundamentalismo serão utilizados Luís Mauro Sá Martino (2012, 2016) e Martin N. Dreher (2005).

Com esse aparato teórico e metodológico é que se pretende refletir sobre a questão da relação entre o fundamentalismo, a incerteza e o uso dos meios de comunicação.

Da questão do método: entre a arqueologia e os meios

Devido ao caráter interdisciplinar dos fenômenos relacionados à comunicação, justifica-se o uso de diferentes áreas do saber. Isso se produze (Aqui não é produz?) porque as ciências da comunicação e da informação —inseridas em uma classificação de conhecimentos, como sociologia aplicada— apresentam, segundo outras ciências, um problema metodológico que seria o uso eclético de referências bibliográficas diferentes. Dessas referências, as mais comuns são a sociologia, antropologia, linguística, filosofia, psicologia, semiótica, entre outras. Esse axioma de falta de metodologia pesa sobre a produção de conhecimento da área, muitas vezes, como um fator que pode, de fato, desqualificar sua legitimidade como ciência, justamente por não demonstrar um método mais específico, restrito e uniforme. Porém, neste texto, procurou-se apresentar a necessidade que as ciências da comunicação têm de utilizar saberes de diversas áreas do conhecimento. Afinal, para ser compreendida de maneira eficiente, a comunicação necessita reunir diferentes conhecimentos, principalmente por se tratar de um fenômeno complexo. Fenômeno esse que abarca tanto questões da sociedade, da identidade, da cultura, quanto do uso da linguagem, além de questões técnicas sobre o funcionamento dos meios de comunicação. Ou seja, para poderem abarcar as características interdisciplinares de seu objeto de pesquisa, os estudos sobre comunicação necessitam observar questões relacionadas à tecnologia, ao consumo, ao mercado, à sociedade, à cultura, ao uso dos meios, à linguagem, entre tantos outros conhecimentos oriundos das mais diversas áreas. Sendo assim, essa reflexão pretende requisitar, ou quiçá, incentivar um esforço pelo desenvolvimento de um método híbrido e interdisciplinar que possa contemplar a pesquisa nas áreas das ciências da comunicação.

Embora, neste artigo, torne-se inviável construir integralmente esse método híbrido das ciências da comunicação; pretende-se continuar na seara proposta, a partir das visões de Marshall McLuhan (2016) e a teoria dos meios; de Michael Foucault (1990) e sua arqueologia do saber; e de Giorgio Agamben (2019) e seu método baseado na relação entre paradigma, arqueologia e as assinaturas. Esses conceitos são fundamentais para desenvolver uma visão que contemple a busca pelas epistemes (discursos e não discursos) (Foucault, 2012), e pelos paradigmas que compõem a contemporaneidade, denominada aqui como modernidade tardia.

Esse posicionamento se fundamenta, também, na análise feita por Patricio Dugnani em seu artigo “Método científico y paradigmas posmodernos: Reflexión sobre un método arqueológico de análisis de la comunicación”, publicado em 2024, na revista Prometeica: Revista de Filosofía y Ciencias. Nesse trabalho, foi desenvolvido o método híbrido entre o cruzamento da arqueologia do saber, as assinaturas e a teoria dos meios.

Fundamentalismo: uma ampliação do conceito

O pesquisador e professor Luís Mauro Sá Martino (2016), em entrevista realizada por Celso Loducca para o programa Quem somos nós? —alocada na plataforma da Casa do Saber— levanta uma questão importante sobre a origem da crescente proliferação de discursos fundamentalistas que tem povoado o imaginário da sociedade tardo-moderna. Também indica que esses discursos têm sido disseminados, principalmente, pelo uso dos meios de comunicação digitais: internet, redes sociais etc.

Uma das características da modernidade é classificar racionalmente tudo. Aquilo que não é classificável é colocado como o estranho, é colocado como aquele que eu devo tomar cuidado, é colocado como aquilo que eu não entendi, e, portanto, é melhor eu me afastar. Aí eu chego em um problema, ou numa questão que está na raiz de inúmeros conflitos sociais: como eu não me abro para entender o outro, eu o coloco na condição de estranho, eu olho enviesado, eu tenho medo, eu vou me abrigar nos meus fundamentos. Daí que o fundamentalismo, não é, nessa visão, o oposto da modernidade, mas ele é uma consequência, ou um elemento que está inerente às ... ao medo do outro. Essa racionalidade, essa excessiva razão que coordena essa modernidade. (Martino, 2016, 00: 00: 03 )

Seguindo a máxima de uma gravura de Francisco Goya, O sonho da razão produz monstros (1797-1799), relacionando à promessa do Iluminismo (haja vista, nunca cumprida) de que a razão causaria emancipação humana, o que Martino (2016) acaba por afirmar é que essa onda fundamentalista teria nascido de sua maior contradição: a razão. Ou seja, o excesso de racionalismo da modernidade, teria deixado como herança para a modernidade tardia uma crescente mistificação dos discursos, o negacionismo quanto ao desenvolvimento da ciência e a crescente visão fundamentalista arraigada na sociedade.

Para quem foi formado na tradição iluminista ocidental, também preparada por movimentos, como o pietismo, essa constatação é sinistra. É sinistra, pois o surgimento de movimentos fundamentalistas evidência que a história da modernidade segue um curso diferente do que o propalado pelo culto à razão. (Dreher, 2005, p. 564)

Nessa argumentação, entende-se que o discurso fundamentalista, principalmente a partir da modernidade, tem se expandido para além do limite religioso, abarcando outras modalidades de discurso, como na política, na ciência e na estética. Sendo assim e discordando, de modo geral, de Dreher (2005), o fundamentalismo pode estar em qualquer discurso que busca impor uma verdade absoluta acima da razão, da ciência e, mesmo, da religião. Embora o autor tenha deixado espaço para interpretações, quando relaciona a questão da fé à ciência, à política ou à história, é possível ampliar a visão fundamentalista para além da questão religiosa, como pretende esse artigo.

Para evitar generalizações, é importante lembrar que a modernidade foi determinada, em seu surgimento e em sua história, por esperanças seculares de salvação e por promessas seculares de redenção, com caráter religioso-secular. A modernidade secular tem a sua história religiosa, sua secularidade religiosa. A própria modernidade está baseada em fundamentalismos, que podem ser expressos na trindade: fé na História, como história do progresso do mundo; fé na Ciência, como crença popular; fé na Política, como messianismo político. (Dreher, 2005, p. 565)

Nesse sentido observa-se que o conceito de fundamentalismo, na modernidade tardia, não se confunde com o de pós-verdade. Porém, é alimentado por ela e seu principal produto é a transformação de informação em desinformação através do uso de fake news.

Partindo dessas reflexões, entende-se que é possível e desejável a ampliação do conceito de fundamentalismo. Afinal os discursos fundamentalistas vão além das questões religiosas e, paradoxalmente, são frutos do excesso de racionalidade da modernidade. Com isso, discursos fundamentalistas são passíveis de serem usados em qualquer argumentação, seja ela filosófica, religiosa, científica, ou mesmo, política. Além disso, esse fundamentalismo crescente na modernidade tardia, parece desenvolver um processo que acaba por produzir alienação, pois elimina as reflexões contraditórias e dialéticas, ou seja, críticas, substituindo por uma polarização violenta e reativa. Afinal, nos meios digitais das plataformas parece não existir espaço para uma argumentação racional e embasada em fatos. Nos debates superficiais que povoam as redes é ressaltado o lado emocional e reativo do sujeito. Sendo assim, os discursos fundamentalistas, disseminados com grande intensidade pelos meios digitais, acabam por substituir, senão a verdade, pelo menos um discurso baseado em fatos. Acabam por substituir o discurso factual, por uma pós-verdade que assume o lugar de ideia absoluta, substituindo argumentações mais racionais por discursos que geram não a mentira, mas a confusão. Confusão esperada por aqueles que manipulam os conteúdos dos meios, não para gerar esclarecimento, mas sim, desinformação.

Fake news e pós-verdade

Antes de continuar com a observação das relações entre o fundamentalismo, a comunicação e a incerteza na modernidade tardia, acredita-se que seja importante deliminar dois conceitos comentados na seção anterior: as fake news e a pós-verdade. Embora sejam conceitos diferentes, se constituem por uma proximidade.

Uma diferença do que se denomina fake news e pós-verdade, para De Paula et al. (2018), consiste no fato de as fake news se caracterizarem como conteúdos que não precisam ser totalmente falsos, como o próprio nome pode sugerir (fake = falso), mas como informações que buscam ser infiltradas no ambiente de informação, para gerar confusão.

Fake news, ou, em português, notícias falsas, são informações noticiosas que buscam alertar o público para alguma situação ou retratar um ponto de vista de um acontecimento. Entretanto, como se pode deduzir pelo nome, possui parte ou todo seu conteúdo composto de informações inverídicas. (De Paula et al., 2018, p. 93)

Já a pós-verdade se refere, ampliando a visão de De Paula et al. (2018), não apenas nas mentiras que circulam no ambiente informacional, mas também em informações que podem gerar uma ambiguidade na representação de qualquer ideia que se pretenda assumir como verdade. A pós-verdade pode ser considerada, de certa forma, como uma verdade conveniente de um determinado grupo, guiado por uma determinada ideologia. Uma verdade motivada, não por um referencial racional, ou científico, mas sim, orientado muitas vezes por crenças ou motivado pela emoção. Assim, as fake news —conteúdos que geram ambiguidades no entendimento do que se acredita como verdade—, além de gerar confusão, geram alienação. Faz com que a interpretação dos fatos possa se tornar questionável. Facilita a introdução de argumentos baseados num discurso de convencimento, sem fundamentação no real, mas sim, fundamentado na crença de uma verdade, e não na razão que possa legitimá-la.

A post-truth, traduzida para o português como pós-verdade, foi eleita a palavra do ano 2016 pelo Dicionário de Oxford. ... Higgins (2016) explica, em artigo publicado na Nature, que a pós-verdade se refere a mentiras sendo rotina em toda a sociedade, e isso significa que mentir não é um crime, portanto, não é plausível a condenação de quem conta ou compartilha. Além disso, quando se trata de pós-verdade, há autores que a colocam em um plano de relativismo epistêmico, no qual a visão do que é verdade pode variar dependendo do contexto. ... Contudo, posições mais racionais devem envolver pelo menos um mínimo de relativismo. Em uma notícia, o autor do conteúdo pode induzir, por meio do título, ou por frases de efeito uma interpretação que leva a compreensões falsas sobre fatos apresentados. Flores (2017), discutindo a relação dos interlocutores com as fake news e a pós-verdade, apresenta um elemento que pode ser considerado o catalisador da pós-verdade. Ele explica que a insinuação pode ser a inferência falseadora na pós-verdade. (De Paula et al., 2018, p. 95).

Dessa forma, pode-se pensar que a pós-verdade tem como fonte de alimento as fake news. Desse modo, cria um ambiente propício para o questionamento de qualquer pensamento racional, como o discurso científico, além de criar um terreno fértil para a proliferação de discursos fundamentalistas. Tais discursos tendem a substituir os fatos pelas impressões, a argumentação pela imposição, a análise criteriosa da informação pelas opiniões particulares, ou seja, substituir a verdade pela mentira, ou pela falsidade.

Fundamentalismo, comunicação e incerteza

A crise do presente na modernidade tardia, alimentada pelas fake news, muitas vezes se caracteriza pela sensação de incerteza que povoa o imaginário do momento contemporâneo. Porém, o mais problemático desse fenômeno, está na sua busca por uma solução.

O sujeito tardo-moderno tem buscado a solução para essa sensação incomoda de incerteza de maneira equivocada; muitas vezes procurando um alívio para sua ansiedade nas visões fundamentalistas e suas promessas de certezas duradouras. Essa solução tem produzido a ascensão desses discursos fundamentalistas que proliferam rapidamente pelos meios de comunicação na modernidade tardia.

Esse processo, como dito, tem como meio de divulgação, os meios de comunicação, principalmente os meios digitais. Suas plataformas sociais alimentam boa parte dos conteúdos da internet, sob o olhar controlador que as Big Techs têm mantido sobre esse processo.

Nesse ponto, concordando com Trivinho (2024), é que os meios de comunicação, principalmente os digitais, ao invés de garantir o esclarecimento da população, através das trocas de informações, têm produzido alienação através da disseminação de discursos fundamentalistas que abandonam a mediação da razão, pela mediação das crenças. Em particular, a estrutura dinâmica das plataformas digitais de relacionamento, participação e partilha —as que, junto com sistemas de interação via smartphones e tablets (por applications), possibilitam a formação de redes sociais (como YouTube, Facebook, X, Instagram, WhatsApp, Telegram, etc.)— serve a fundamentalismos incontinentes, na forma seja de extremismos políticos, seja de moralismos radicais (religiosos ou não), quase sempre de mãos entrelaçadas. O desdobramento é claro: a expansão das Big Techs, por sua ascendência infotecnológica sobre todas as instâncias sociais, corre de par com a proliferação de grupos nazifascistas, supremacistas e quejandos. Pelas mesmas razões, os cybernet businesses estão, direta ou indiretamente, implicados na ultradireitização das pressões sobre sistemas e valores democráticos. Sem projeto estatuído em favor dessas pressões, as Big Techs, no entanto, colaboram para a desgraça de penosas conquistas históricas (Trivinho, 2024, p. 317). Esse processo tem sido alimentado por fake news que produzem uma variedade de pós-verdades. Elas estão alicerçadas em discursos com afirmações convenientes que substituem a razão pela emoção, a comprovação pela crença, o esclarecimento pela confusão. Dessa forma, ampliam, no sujeito tardo-moderno, a sensação de insegurança ao invés de liberdade.

Como observa Sanches de Frias em seu artigo sobre inteligência artificial e publicado em 2021 na revista Razón y Palabra, nesse processo, as Big Techs geram desinformação e populismo digital. As plataformas digitais impulsionam os movimentos de extrema direita. Desse modo, com seu funcionamento focado buscam o controle da informação e acabam por abrir caminhos para a produção de um ecossistema que se alimenta das fake news para alienar e confundir, ao invés de esclarecer. Customizam, de maneira exacerbada, as informações para poderem capitalizar seu negócio cujo resultado mais imediato, segundo Sanches de Frias(2021), é o aumento da polarização. Afinal, uma maneira de aumentar as visualizações, ou seja, a audiência, é através da polêmica. Sendo assim, quanto mais polêmica uma informação gerar, maior será sua visibilidade. Como os negócios das Big Techs giram em torno da audiência (assim como são nos meios de comunicação de massa), os meios digitais, as plataformas e a internet em geral deverão gerar maiores lucros quanto maior a polêmica. Logo, as polarizações apresentadas por discursos superficiais e estereotipados tendem a causar mais controvérsia, com isso, maior lucro.

Ao mergulhar nos estudos de autores que buscaram decupar o funcionamento das plataformas digitais e desvendar seus mecanismos de controle, foi possível perceber que essa forma de atuação das chamadas Big Techs, entre as quais figuram nomes como Facebook, Google, Twitter, entre outras, tem pontos coincidentes e de conexão com princípios que regem os movimentos populistas de extrema direita que vêm se espalhando pelo mundo nos últimos anos. Há vários elementos que podem ser entendidos como ponto de ligação e de alimentação entre a lógica das plataformas e a lógica do populismo. Entre eles, o mais forte é a polarização, que se desdobra em outras características, como o discurso de ódio, a intolerância, o preconceito, a reafirmação de valores conservadores e a disseminação de desinformação e de teorias conspiratórias. (Sanches de Frias, 2021, p. 16)

Com isso, a comunicação —aqui observada pelo recorte do uso dos meios de comunicação e pela teoria dos meios— tem se demonstrado uma ferramenta importante para o desenvolvimento da sensação de insegurança e disseminação de discursos fundamentalistas no panorama atual da modernidade tardia.

Esse fenômeno nasce de uma questão contraditória, a partir de seu potencial de extensão dos sentidos, conceito desenvolvido por McLuhan (2016). O pesquisador observava o efeito dessa questão de maneira diferente. Afinal, segundo McLuhan (2016), entendendo o funcionamento dos meios, não somente como um suporte material de transmissão de informação, mas como uma extensão dos sentidos, da percepção, e do sistema nervoso humano, pode-se concluir que os meios, e não somente a informação, são capazes de produzir transformação na consciência e comportamento humanos. Por causa dessa reflexão é que McLuhan (2016) afirma que o meio é mensagem, é informação pura, pois ambos são catalizadores da transformação humana.

Partindo dessa questão, em uma visão mais funcionalista e, inclusive, evolucionista, que contamina as teorias da comunicação da linha norte-americana, observa-se no pensamento de McLuhan (2016) uma tendência a projetar as transformações por um viés mais progressista. Como se a evolução tecnológica dos meios de comunicação pudesse se desenvolver em paralelo e de maneira uniforme como acontece com os efeitos que eles produzem nas relações humanas; embora essa questão não seja sempre verdadeira.

A evolução tecnológica, por exemplo, pensando na eficiência dos meios de comunicação e seu alcance, pode ser pensada como acumulativa, mas, nas transformações humanas, esse movimento é constituído de maneira mais contraditória. Assim, em um mesmo período, é possível observar avanços e retrocessos, e não somente o caminho descrito pelas linhas funcionalistas das ciências sociais, como uma evolução de mão única na direção de um equilíbrio social. Nesse sentido, a transformação humana é bem diferente do progresso tecnológico. Ou seja, a transformação social produzida pela inserção de novos meios de comunicação não segue o mesmo ritmo da evolução tecnológica dos meios de comunicação, pois não se pode confundir evolução tecnológica com transformação social.

De maneira paradoxal, ao negar a visão da teoria dos meios de McLuhan (2016) por estar influenciada pelas ideias funcionalistas e evolucionistas do desenvolvimento da sociedade, os meios de comunicação digitais têm produzido a fragmentação dessas comunidades (Baitello, 2015) ao invés da Aldeia Global preconizada por McLuhan (2016). Logo, ao invés da globalização tão discutida, os meios de comunicação têm desenvolvido um processo de desglobalização ao produzir a incerteza, baseada em pós-verdades:

McLuhan (2016) projeta em sua teoria dos meios a ideia que, com o avanço tecnológico dos meios de comunicação, chegaria o dia em que toda sociedade do globo terrestre poderia formar uma só comunidade, uma só tribo, a qual ele denominou Aldeia Global. Contudo, com o advento dos meios digitais, o que parecia ser uma possibilidade de concretização dessa utopia —de um só humano, para um só planeta— acabou se tornando uma negativa a esse processo. Quando se observa hoje a sociedade é possível notar, segundo Bauman (2001), um aumento do individualismo e segundo Norval Baitello (2015), ao invés da união entre as nações, a “pulverização das grandes comunidades em múltiplas “tribos”” (Baitello, 2015, p. 18). Ou seja, o processo de tribalização pelos meios de comunicação, descrito por McLuhan (2016), ao invés de reunir, fragmentou a sociedade. (Dugnani, 2022, p. 174)

Ao invés de produzir concordância entre as comunidades, os meios de comunicação têm criado bolhas de informação, as quais, ao invés de desenvolver o esclarecimento, têm produzido alienação. Essa alienação cria as polarizações fortalecendo e acelerando (Rosa, 2019, 2022) o resgate de ideias fundamentalistas. Tais ideias encantam os usuários dos meios, pois prometem uma verdade ilusória e conveniente, apenas ampliando a incerteza e confundindo as relações humanas. Com isso, fortalecem a polarização que se tem constituído na sociedade tardo-moderna; bem como, o enfraquecimento da alteridade, como indica Byung-Chul Han (2015).

Considerações finais

Partindo da ampliação do termo fundamentalismo, em relação à conceituação de Dreher (2005), ou seja, para além das questões religiosas, e abrangendo as questões ideológicas, políticas e sociais, entende-se que a introdução dos meios de comunicação digitais —capitaneada pelo uso da internet nas redes sociais e orientadas pelas Big Techs— tem produzido, paradoxalmente, um efeito contrário à proposta tecnológica do desenvolvimento dos meios. Negando, assim, a visão globalizante que se observa, por exemplo, no conceito de Aldeia Global de McLuhan (2016).

Na modernidade tardia parece que, mais uma vez, a promessa iluminista da emancipação e do esclarecimento dos seres humanos, mediante do uso de novas tecnologias, se frustrou novamente. Afinal, os meios digitais, pelo menos nesse início do século xxi, parecem estar produzindo muito mais a fragmentação da sociedade, a desglobalização, a formação de bolhas informacionais alienadas em torno de ideias fundamentalistas do que propiciando o esclarecimento do ser humano. Esse processo acaba por resgatar visões fundamentalistas que não são baseadas na razão, mas muito mais na emoção. Os meios digitais, devido a seu funcionamento mercadológico, almejam mais audiência, como acontecia nos antigos meios de comunicação de massa, do que valorizam a troca de informação e a ampliação do conhecimento. Desse modo, criam um espaço muito mais focado ao entretenimento, ao retorno financeiro, do que ao esclarecimento.

Além disso, com a ajuda dos algoritmos, ou seja, das programações que direcionam as informações apenas para o interesse mais comum de cada sujeito, os meios acabam alijando esse sujeito da possibilidade de acessar informações que se tornem contraditórias à suas opiniões, levando-o a um processo de alienação, onde cada grupo de interesse se fecha em bolhas. Preso nessas bolhas de informação, o sujeito acessa a informações homogeneizadas e customizadas pelo uso dos meios digitais. Dentro dessa dinâmica, ao invés trazerem questionamentos e gerarem um processo crítico, as informações acabam por criar um ambiente de uniformização de conteúdos, fazendo com que o indivíduo se tranque em verdades convenientes produzidas artificialmente. Nominadas, nesse artigo, como pós-verdades. Considera-se como pós-verdade, uma verdade que não é necessariamente uma mentira nem tampouco uma verdade. Trata-se de uma informação que visa gerar confusão ou engajamento pelo emocional, abandonando a reflexão racional e o posicionamento crítico. Com isso, acaba por criar comunidades cujas crenças se sobrepõem à razão ou a ciência, fazendo com que se desenvolva em torno de visões fundamentalistas, muitas vezes resgatadas de um passado sequer vivido. Um passado idealizado como um tempo em que havia verdades absolutas e certezas, e não um mundo, como o contemporâneo, ou melhor, tardo-moderno, onde esse sujeito se sente preso a uma sociedade que muda o tempo inteiro, que o deixa ansioso, ou seja, uma sociedade das incertezas.

Por causa desse movimento nostálgico atrelado ao uso e funcionamento dos meios digitais, além de sua consequente aceleração das transformações sociais, é que o sujeito da modernidade tardia se sente inseguro e acaba, muitas vezes, espantado pela sensação de insegurança. Filia-se a ideias que pareciam esquecidas em um passado distante, mas que apenas estavam adormecidas (Bauman, 1998), ou seja, filia-se a ideias que resgatam visões mais estreitas, mais dogmáticas, mais fundamentalistas.

Nesse processo, acaba por acreditar, de maneira mais maniqueísta, que existem apenas verdades absolutas que deveriam se sobrepor às contradições, vencendo as incertezas e trazendo à sociedade o equilíbrio social, seguindo a cartilha positivista de Auguste Comte. No entanto, essa visão deve ser combatida e rejeitada, pois o humano tardo-moderno, feliz ou infelizmente, precisa se acostumar com a questão universal de que a vida é incerta e de que essa incerteza faz parte da condição humana, embora, muitas vezes, queira evitá-la por gerar ansiedade e insegurança.

Talvez, a partir dessa reflexão, ele possa utilizar melhor os meios de comunicação e buscar um equilíbrio, não estático, mas dinâmico, como afirma Rosa (2019).

Primeiramente, conceituo o processo de aceleração aqui exposto como sintoma e consequência da circunstância de serem as sociedades modernas capazes de se estabilizar apenas dinamicamente, de serem sistemática e estruturalmente dispostas a crescer, transformar-se e acelerar-se sempre mais para poder conservar sua estrutura e estabilidade. (Rosa, 2019, p. 09)

Assim, talvez seja possível evitar o show de violência, de resgates de discursos fundamentalistas, de polarização, de preconceito, de racismo, de xenofobia crescente, de fragmentação social e de alienação que se tornaram os ambientes virtuais no uso dos meios digitais, principalmente das redes sociais. Talvez o debate sobre essa questão seja um possível caminho para evitar a barbárie e buscar uma solução para essa crise civilizatória que vive a humanidade na modernidade tardia.

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir nenhum conflito de interesses.

Contribuição dos autores

Conceitualização, P. D.; curadoria de dados, P. D.; metodologia, P. D.; análise de dados, P. D.;
administração do projeto, P. D.; visualização, P. D.; redação (preparação do rascunho original), P. D.; redação (revisão e edição), P. D.

Referências

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